Estudo publicado pela revista científica Lancet apontou que ouvir música auxilia os pacientes durante procedimentos cirúrgicos e consultas — e também ajuda os médicos. Desde o período dos indivíduos nômades, a melodia faz parte da jornada de desenvolvimento humano, sendo responsável por estimular a sensação, cognição, movimentação e emoção e estando conectada com a área emotiva do indivíduo.
Carlos Chechetti, pesquisador no Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e fundador do programa social Revivendo Memórias, explica que os ouvidos percebem as vibrações e as convertem em sinais elétricos para decodificar e mapear a música.
“A música ativa várias áreas do cérebro, como os lobos frontal, parietal, occipital e temporal e, também, múltiplos córtices como o auditivo, o visual e o motor. Por exemplo, o cerebelo está envolvido no ritmo e tempo da música; a amígdala, o córtex orbitofrontal e o cingulado anterior no emocional; o hipocampo ajuda na memória; e a música também ativa os circuitos de recompensa e emocional.” Ele completa que todos esses campos funcionam integrados, assim como uma orquestra sinfônica.
Além disso, o cérebro controla os estados mentais e fisiológicos, portanto, nossos sistemas nervosos são conectados em duas direções: processos fisiológicos, ligados a respostas emocionais e cognitivas; e os psicológicos, relacionados a mudanças no cérebro e no corpo.
Psicologia da melodia
Segundo Gerson Tomanari, professor do Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia (IP) da USP, os diversos efeitos da música atuam sobre as pessoas individualmente e sobre os grupos sociais a que pertencem. Na história da humanidade, as manifestações religiosas estão sempre acompanhadas da melodia por conta dos seus impactos coletivos e individuais: “Não é preciso ir muito longe para observar que a música é parte relevante da vida cotidiana dos mais distintos grupos da sociedade”.
No âmbito da psicologia, o especialista discorre sobre as relações da música com estados cognitivos e emocionais nas pessoas: “Em particular, as neurociências têm se dedicado a entender o papel da música sobre os estados fisiológicos e cerebrais dos organismos, o que nos ajuda a identificar e compreender o funcionamento desses correlatos comportamentais importantes”. Ele também cita outras linhas de pesquisa, como o domínio musical em si, que é um processo de aprendizagem e de comunicação, e a música entendida como um elemento de identidade social.
Na opinião de Tiago Nogueira, pesquisador do Laboratório de Psicanálise, Sociedade e Política da USP, toda melodia é uma espécie de texto que mimetiza as curvas que a voz humana produz durante a fala e essa musicalidade está na origem da frase melódica. Portanto, ele diz que o modo como o compositor escolhe retratar determinadas experiências humanas — interjeições que expressam alegria ou dor, gritos de horror diante do perigo ou da morte, emissões sonoras agudas e lentas que lembram a vivência introspectiva de uma falta — tudo isso é expressado na composição.
O especialista cita As Quatro Estações de Vivaldi, pois a obra apresenta paisagens sonoras que imitam a natureza e funcionam como suporte para a memória do ouvinte e também As Missas de Bach, que são carregadas de sentimento e remetem à transcendência: “Os sentimentos provocados são sempre singulares, pois são desdobramentos daquilo que tais representações significam para o ouvinte”. Segundo ele, por um lado é possível encontrar impressões de lembranças ancestrais e, por outro, as ações do ouvinte diante disso é que definem os efeitos musicais.
“Isso acontece com o amor da música romântica, a fúria e a violência do rock etc. Cada sentimento remete ao sentido individual que cada um dá a ele. Nessa perspectiva, a forma como a música muda nosso estado de espírito está totalmente atrelada ao modo como somos afetados pela linguagem”, desenvolve.
Perspectivas do compositor
Fernando Iazzetta, docente do Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes (ECA) e diretor do Núcleo de Pesquisas em Sonologia (NuSom) da USP, garante que cada música atua de maneira diferente no indivíduo, ou seja, está associada com o contexto, a cultura, práticas sociais e, até mesmo, uso de algumas substâncias. Ele cita o efeito Mozart para desenvolver: “Se você procurar, vai encontrar que certas músicas são mais eficientes para produzir algum efeito para as pessoas. Academicamente, eu diria que esses trabalhos são questionáveis e, pessoalmente, eu acho que isso é uma grande bobagem, porque esses trabalhos geralmente tentam dar um caráter universalista”.
O músico continua: “Possivelmente, se você tocar isso para um adolescente que gosta de escutar funk, ou qualquer música dançável, e submeter ele a uma terapia mozartiana, ele vai surtar em vez de se acalmar. Existe um componente cultural que precisa ser levado em conta”. Nesse sentido, ele conta que todo compositor compõe uma música tendo em mente seu público-alvo e, dessa forma, essa audiência quer que essa canção os atinja. No entanto, Iazzetta diz que não conhece alguém que produza melodias pensando terapeuticamente, ou seja, que busque auxiliar nos tratamentos médicos.
Outros impactos
Nogueira discorre que a música sempre teve um importante papel em diversos setores da vida humana, desde os ritos sacrificiais das sociedades pré-capitalistas, as músicas de guerra ou contações de histórias. Além disso, ele diz que a música tem um poder nostálgico, fazendo com que os indivíduos lembrem daquilo que “estava perdido para sempre”.
Para Tomanari, as práticas culturais da sociedade estão intrinsecamente ligadas aos efeitos das músicas sobre as pessoas, não à toa estão presentes em filmes, publicidades e em ambientes fechados. “A música certamente pode ser, e de fato é, um objeto de conhecimento transdisciplinar e tem merecido estudos nas humanidades, nas artes, nas exatas e nas ciências da vida. À medida que o conhecimento nesta área aumentar, seremos cada vez mais capazes de utilizar o poder da música para aprimorar a qualidade de vida do ser humano”, afirma.
Carlos Chechetti conta que, desde os gregos antigos, os humanos utilizam a música para tratamento médico ou musicoterapia, por meio do entendimento dos tipos de doenças e seus impactos causados em certas regiões cerebrais, assim, pode-se direcionar os tipos de melodias para respostas específicas nos pacientes — cognitivas, motoras ou emocionais. Dessa maneira, é capaz de auxiliar na normalização da função cerebral, diminuição de sintomas e melhorias no bem-estar.
Por fim, de acordo com Iazzetta, além dos efeitos positivos, a música tem o potencial de ser utilizada como arma, e explica: “As composições sonoras do Vila Sésamo, um programa educativo infantil, foram usadas como músicas de tortura na Prisão de Guantánamo. Houve relatos de que prisioneiros eram submetidos a ficar escutando aquela música em um volume muito alto durante muitas horas, ou até durante dias, ininterruptamente”. Ele conta que isso eliminava a capacidade do indivíduo de raciocinar e, dessa forma, de se preparar para o interrogatório ou pensar em alguma forma de fugir do local.
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